
Patuá/2015
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Por um fio
Carlos Moreira
nunca estivemos nem em ítaca nem em lugar algum. porque estar subentende um estado que nosso devir não pode mais supor nem suportar. porque estar pressupõe uma identidade que não reconhecemos mais, porque estar não dura o tempo permanente da imanência. porque o poema é essa voz que se desdobra entre a partida e a chegada, não o eterno retorno do mesmo, mas da diferença. um origami construído por um louco.
Daniela sabe. e dobra. e o que aflora são desertos, mares, labirintos, ideogramas e outras coisas em si inexistentes. e do não-existente brota o poema, verbo desencarnado. fio eternamente puxado para fora, na refazenda do sentido.
(busco no grego o sentido de Penélope: pene, fio, fibra, trama; ops, rosto, olho. de onde brota esse novelo? qual a textura desse olhar? por que não podemos ver nossos olhos senão enquanto simulacro do espelho, a puxar eternamente o fio para fora?)
Conheça quatro poemas do livro:
Notas
I
dormir, acordar
acender o fogo
alimentar os dragões
nas noites de junho
subverter a pauta
decantar o verso
desejar entre os pelos
a doce violência
que escorre da tua boca
acordar, dormir
permanecer
II
ser como o silêncio
que habita a cidade
desatar fios e redes
despir pés e cansaços
silenciar desordens
ouvir o rio, tocar o rio
dormir nos seus olhos
dormir nos seus olhos
despertencer
III
cobrir-me de mesuras,
delicadezas
dobrar o riso, as saias,
como quem dobrasse o tempo
ser, entre seus dedos,
pássaro de papel
IV
sopesar os vãos, os ardis
surpreender os vazios
escutar senão o gemido
dos vapores noturnos
alquebrar minhas lanças
recortar teus versos
atar à minha a tua deidade
desinventar
a palavra amor